
Enedina Alves Marques, primeira mulher negra engenheira no Brasil
Desde 1992, comemora-se em 25 de julho o Dia Internacional da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha, instituído a partir do 1º encontro de Mulheres Afro-latino-americanas e Afro-caribenhas, promovido pela Organização das Nações Unidas (ONU) em Santo Domingo, capital da República Dominicana. O objetivo dessa data é visibilizar as condições socioeconômicas vividas pelas mulheres afrodescendentes na América Latina e Caribe, e incentivar a aplicação de políticas públicas que melhorem a qualidade de vida dessa população, além de erradicar o racismo e a desigualdade de gênero.
No Brasil, as mulheres negras compõem a maior parcela da população, com mais de 60 milhões de habitantes, em um percentual de 28,5%. Esse grupo também possui a maior porcentagem de brasileiros em idade ativa: 48,3 milhões, ou 28,4% do total, segundo relatório produzido pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) e divulgado em maio de 2024.
O estudo alerta, porém, que essa população é a que mais sofre com violações na esfera pública – com as desigualdades no mercado de trabalho, por exemplo – e na vida privada, com a violência doméstica. Na avaliação da Pnud, é a população negra feminina brasileira que convive com uma maior baixa longevidade, à menor possibilidade de acesso à educação de qualidade e à falta de renda.
Ainda não há dados concretos em relação à presença da mulher negra nas instituições científicas brasileiras, mais especificamente na área nuclear. De acordo com levantamento feito pela Womem In Nuclear Brasil (Win Brasil), organização sem fins lucrativos de mulheres que trabalham com energia nuclear e aplicações de radiações ionizantes, existem 191 mulheres associadas, sendo 41,4% delas autodeclaradas pretas ou pardas.
A organização acrescenta que o seu Comitê Executivo é composto por 66% de mulheres negras - todas co-fundadoras do Coletivo de Mulheres Negras na Área Nuclear (MunaN) – criado em julho de 2023, que também assumiu o papel de promover uma maior representatividade nas lideranças do setor nuclear.
A avaliação feita pela Win Brasil é de que a área nuclear, pouco a pouco, está se diversificando no país, mas que há uma hegemonia do perfil masculino e caucasiano, principalmente nos cargos de chefia.
- Pesquisadora Luciana Carvalheira. Foto: Bianca Wendhausen
Para diminuir esse quadro desigual no setor, a pesquisadora Dra. Luciana Carvalheira, que é vice-coordenadora e professora permanente do Programa de Pós-Graduação do Instituto de Engenharia Nuclear, atua como mentora de jovens cientistas, pesquisadores e profissionais, incluindo mulheres negras, com o dever de estruturar suas carreiras, superar desafios socioeconômicos e ampliar suas oportunidades na área da ciência, tecnologia e inovação. Sua contribuição na capacitação de novos agentes na ciência nuclear lhe rendeu, em maio deste ano, uma homenagem concedida pela Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj).
“Uma Ciência mais diversa e inclusiva é mais rica por agregar novos saberes advindos de grande parcela silenciada e invisibilizada do nosso país. Essa riqueza é transformadora e capaz de impulsionar inovações e resultados de elevado nível. Potencialize a escrevivência da mulheridade negra que te rodeia”, incentiva Carvalheira.
Nova Geração de Cientistas
A luta das mulheres negras para se integrarem à ciência brasileira teve início com Enedina Alves Marques, considerada a primeira negra cientista do país, ao se formar em engenharia civil em 1945, pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). A partir de Enedina, a classe feminina negra busca não somente ocupar os espaços os quais lhes eram restritos, em função do racismo e da desigualdade de gênero que estruturaram a sociedade brasileira, mas para contribuir, com seus intelectos, com a formulação de novos projetos que possam gerar benefícios em diferentes campos do conhecimento.
Um exemplo atual dessa iniciativa vem da bolsista de iniciação científica do IEN/CNEN, Samara Mendes, autora do projeto “Efeito da ativação neutrônica no copolímero PLA-PEG sobre nanopartículas de ouro”, cujo objetivo é viabilizar a aplicação de um nanossistema no tratamento de pessoas diagnosticadas com câncer de cabeça e pescoço. A pesquisadora levou o referido trabalho para ser apresentado no Simpósio Edwaldo Camargo, que aconteceu na cidade de Itupeva, interior do estado de São Paulo, no início de abril que, segundo ela, atraiu o interesse de profissionais dos hospitais da USP e da Unicamp.
Samara afirmou que foi atraída pela ciência por meio de programas televisivos e de atividades que aconteciam na escola, sendo esse último, considerado por ela, um primordial mecanismo para que surja uma nova geração de meninas negras cientistas:
“O distanciamento entre meninas negras com a comunidade científica ocorreu, por muito tempo, em função da falta de oportunidades, no conceito de que não podemos dissociar o aspecto racial do socioeconômico no nosso país. Em relação à parte da escola pública, antigamente, não havia tanto esse incentivo, por meio de programas sociais que motivavam meninas e meninos, jovens negros a assumirem um determinado trabalho científico, à pesquisa, e agora está aumentando um pouco essa incidência”, afirmou Samara.
Incentivos de inclusão feitos pelo Poder Público
Essa mudança de paradigma no acesso da população negra ao conhecimento científico, mencionada pela pesquisadora, vai de encontro ao que vem sendo aplicado pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) na atualidade. Em resposta para a produção desta reportagem, a pasta informou que tem implementado programas para ampliar a inclusão e a permanência de meninas e mulheres no campo da ciência, tecnologia e inovação, os quais representam um compromisso com a inclusão e o apoio às mulheres cientistas e empreendedoras, oferecendo incentivos financeiros, mentorias e oportunidades internacionais.
Atualmente, existem dois editais com essa finalidade: o edital “Meninas nas Ciências Exatas, Engenharias e Computação”, segundo o MCTI, apoia 120 projetos e 10 mil meninas bolsistas, sendo que 40% das bolsas são destinadas a jovens negras e indígenas. Já o programa “Bolsas para Mulheres Negras, Ciganas, Quilombolas e Indígenas” é fruto de uma parceria do MCTI com o CNPq e os Ministérios da Igualdade Racial, das Mulheres e dos Povos Indígenas, contemplando 86 pesquisadoras e oferecendo um total de 47 bolsas de doutorado-sanduíche e 39 bolsas de pós-doutorado.
Além desses editais, há o Programa Mais Ciência na Escola, feito em parceria com o Ministério da Educação, em que promove o letramento digital e científico na educação básica, implementado em 2 mil laboratórios makers com atividades nas áreas STEAM (sigla em inglês para “Ciência, Tecnologia, Engenharia, Artes e Matemática”), com bolsas para alunos e professores, além de ampliar a participação de estudantes em feiras de ciência e olimpíadas científicas. O “Mais Ciência na Escola”, por sinal, se articula à Estratégia Nacional de Escolas Conectadas e ao Programa Escola em Tempo Integral, para atender discentes de escolas públicas do país, priorizando os territórios de alta vulnerabilidade social.
A crescente presença da mulher negra nas instituições científicas e no ambiente corporativo como um todo, seja através de programas de incentivo do poder público ou mesmo de oportunidades vindas da iniciativa privada, é celebrada pela técnica em proteção radiológica do IEN/CNEN, Dra. Eara Oliveira, mestre em Engenharia Nuclear e doutora em Geofísica nuclear que, há 14 anos, também auxilia o instituto no progresso desse setor:
“A mulher é importante em todos os lugares. É a harmonia do ambiente, na sua suavidade e firmeza. Na direção e no redirecionamento. A mulher negra, assim como a mulher branca, parda e mestiça, é necessária em todos os lugares, inclusive na área nuclear. Eu, como mulher que sou, estou apenas fazendo a minha parte, colorindo e abrindo caminhos para um futuro melhor”, afirmou Eara.
Escrita por: José Lucas Brito (Setcos/ IEN)