Conheça a história da construção do reator instalado no Instituto de Engenharia Nuclear, que completa 60 anos da sua primeira criticalidade.

Reator Argonauta do IEN/CNEN em 1965. Foto: Acervo/IEN
Odia 20 de fevereiro de 1965 é considerado um marco para a história da ciência e tecnologia nuclear do Brasil. Foi nessa data em que ocorreu a primeira criticalidade do Reator Argonauta, que estava sendo construído nas instalações do Instituto de Engenharia Nuclear (IEN/CNEN) desde 1962, ano de fundação dessa unidade técnico-científica da Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN).
O termo “criticalidade” representa o estado normal de um reator nuclear. Ela ocorre quando cada átomo de urânio se divide, causando a liberação de nêutrons suficientes para dividir outro átomo, fazendo com que o reator alcance uma reação em cadeia autossustentável e tendo uma reatividade igual a zero. No mundo, o primeiro reator a ter a sua criticalidade registrada foi o Chicago Pile-1 (CP-1), nos Estados Unidos, em 2 de dezembro de 1942.
Esse fenômeno pode ser entendido como o despertar do Reator Argonauta, que, a partir de então, passou a efetivamente trabalhar em favor do desenvolvimento de pesquisas do setor nuclear.
“O Argonauta é um reator-escola, e desde sua primeira criticalidade tem atuado como uma ferramenta de ensino em diversos cursos, sendo essencial na formação de recursos humanos na área nuclear” afirma o chefe do Setor do Reator Argonauta do IEN/CNEN (SEREA/IEN), André Luís Nunes Barbosa.
Contexto Histórico do Reator Argonauta
- Prédio do Reator Argonauta sendo construído na Colina da Sapucaia, onde hoje é a sede do IEN/CNEN. Foto: Acervo/IEN
Até alcançar à primeira criticalidade do Argonauta, muito trabalho foi empreendido por um grupo de engenheiros liderados pelo Dr. Luís Osório de Brito Aghina, que foi o mentor desse projeto, e idealizado nos laboratórios do Instituto de Física da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF), ainda no início da década de 1960, conforme explicou o Dr. Francisco José de Oliveira, chefe da Divisão de Engenharia Nuclear (DINUC/IEN). Esse foi o primeiro reator nuclear montado por empresas nacionais, onde se utilizou cerca de 93% de matéria-prima brasileira. Os únicos elementos importados foram o grafite, o urânio e alguns componentes eletrônicos.
Os dois outros reatores que já estavam instalados no país na época - O IEA-R1 (localizado nas instalações do Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares - Ipene o TRIGA Mark 1 – foram projetados nos Estados Unidos e trazidos para o Brasil como parte do programa “Átomos Pela Paz”, estabelecido pelo então presidente americano John Fitzgerald Kennedy no contexto da Guerra Fria.
Esse mesmo programa, que visava promover o uso pacífico da energia nuclear em países aliados dos norte-americanos após a Segunda Guerra Mundial, possibilitou que o Brasil recebesse o projeto de construção de um reator de pesquisa, derivado da Universidade de Argonne nos Estados Unidos. Por essa razão, o nome do Reator Argonauta foi inspirado nesse que é um dos mais antigos laboratórios de pesquisa científica do Departamento de Energia americano.
Em função dessa característica educacional, o reator precisava ser instalado em um centro universitário, e desta forma, as obras de construção do equipamento ocorreram na sede do IEN/CNEN, que fica localizado no campus da UFRJ na Ilha do Fundão, na capital fluminense.
O trabalho de construção desse reator durou três anos, contendo etapas como montagem, carregamento dos elementos combustíveis, instalação e testes da instrumentação de controle e segurança do reator. Os elementos combustíveis foram confeccionados em uma pequena fábrica recém-construída no IPEN/CNEN, em São Paulo. Os engenheiros utilizaram aproximadamente dois quilos de um total de seis quilos do isótopo 235 de urânio enriquecido a 20% e sob a forma do óxido U3O8. Esses elementos também foram adquiridos pelo IEN/CNEN por meio do programa Átomos pela Paz.
A inauguração oficial do Reator Argonauta ocorreu em 7 de maio de 1965, cerca de três meses após a primeira criticalidade, com a presença do então Presidente da República, o Marechal Castelo Branco, e tendo ampla divulgação nas manchetes dos jornais da época, conforme é possível ver abaixo:
Passado, Presente e Futuro
Dos anos 1960, em que foi inaugurado e começou a operar, até à contemporaneidade, o Reator Argonauta tem sido um importante instrumento para gerar avanços no setor nuclear. O pesquisador Francisco Oliveira lembra que o Argonauta atua na produção de radioisótopos para a indústria, pesquisas, medicina e em ensaios não destrutivos, com destaque para a neutrongrafia:
“Essa é uma técnica muito disseminada no meio científico. Trata-se de uma espécie de radiografia com nêutrons, com amplo aspecto de aplicação, tanto na área da saúde quanto na indústria, e que utiliza a peculiaridade das interações dos nêutrons com a matéria”, explica.
Já o chefe do SEREA/IEN reforça o papel do reator na formação e capacitação de profissionais da área nuclear, por meio do Programa de Pós-Graduação do IEN/CNEN (PPGIEN), e sediando cursos e treinamentos em parceria com universidades e outras instituições científicas. Vale lembrar que em janeiro deste ano ocorreu, pela primeira vez no IEN/CNEN, o Curso Introdutório para Operadores de Reatores de Pesquisa (CIORP), da Eletronuclear, considerado referencial para quem irá operar nas usinas localizadas em Angra dos Reis.
O Reator Argonauta também trabalha na obtenção de radiotraçadores, aplicados na solução de problemas industriais e em estudos de efluentes líquidos e do meio ambiente. Outras pesquisas e ações desenvolvidas a partir do reator proporcionaram: uma melhor avaliação da qualidade do ar, da água e dos solos; medição de material tóxico em fertilizantes; diagnóstico para o tratamento de doenças; preservação do patrimônio arqueológico etc. E o IEN/CNEN estuda promover mais avanços para a tecnologia nuclear por meio do Argonauta
“Para o futuro, nós queremos ampliar a carga desse reator para aumentar a sua potência. Pretendemos continuar com os trabalhos na parte de cursos, atraindo outras instituições para que trabalhem conosco, e ao mudar a potência, atender uma gama maior de pesquisas nessa instalação”, afirma André Luís Barbosa.
ACESSE A EXPOSIÇÃO DO REATOR ARGONAUTA NA CIDADE VIRTUAL DA CIÊNCIA
Escrita por: José Lucas Brito