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IPEN integra projeto para o desenvolvimento de microrreator nuclear

Publicada em: 11/03/2025 15:38 - Notícias

O Brasil avança no desenvolvimento de microrreatores nucleares (MRNscom tecnologia própria. Um projeto que demonstrará a capacidade técnica de fabricar nacionalmente esse tipo de reator foi aprovado com nota máxima em edital da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep). O Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (IPEN/CNENé uma das instituições participantes e irá colaborar na pesquisa e desenvolvimento dos materiais essenciais para o reator.

Com um orçamento de R$ 50 milhões, sendo R$ 30 milhões financiados pela Finep, o projeto "Desenvolvimento e testes de tecnologias críticas aplicáveis a microrreatores nucleares” foi contemplado pelo programa Finep Mais Inovação, na categoria Energias Renováveis/Sustentáveis, linha temática de Tecnologias para geração de energia a partir de fontes de baixa emissão de carbono. A proposta é liderada pelas empresas Diamante Geração de Energia, Indústrias Nucleares do Brasil (INBe Terminus Pesquisa e Desenvolvimento em Energia e conta com a participação de diversas instituições científicas e tecnológicas, como a Universidade Federal do ABC (UFABC), Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Universidade Federal do Ceará (UFC), Instituto de Engenharia Nuclear (IEN/CNENe Instituto Nacional de Telecomunicações (Inatel). O projeto também recebe apoio da Diretoria de Desenvolvimento Nuclear da Marinha do Brasil (DDNM), da Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNENe da Amazônia Azul Tecnologias de Defesa (AMAZUL).

 

Tecnologia estratégica para o futuro

 

O projeto terá duração de três anos e buscará validar a viabilidade técnica e sustentável de um sistema de microrreatores nucleares de baixa potência para gerar cerca de 3 MW em um container de 40 pé, projetado para ser operado/monitorado de forma remota por mais de 10 anos sem necessidade de reabastecimento. Esse tipo de reator tem o potencial de fornecer energia confiável para pequenas cidades, hospitais, fábricas e regiões isoladas, reduzindo a dependência de geradores a diesel.

Embora haja diferente projetos no exterior, como, por exemplo, o microrreator que a Westinghouse está desenvolvendo nos Estados Unidos para instalação no Canadá, ainda não há uma tecnologia consolidada nessa área. O projeto canadense, inicialmente previsto para 2027, foi adiado para 2029. No Brasil, a abordagem será diferente: o projeto não se baseia na adaptação de tecnologias estrangeiras, mas sim no desenvolvimento de uma solução totalmente nacional, fundamentada em pesquisas científicas e na experiência acumulada no setor nuclear.

Segundo o professor Dr. João Moreira, da UFABC e coordenador técnico do projeto, "não há ainda um microrreator operando no mundo com tecnologia estabelecida. Estamos desenvolvendo algo original, baseado na nossa competência técnica e industrial, aproveitando a experiência do programa nuclear da Marinha, do IPEN e do IEN. O conhecimento será produzido aqui, com insumos nacionais, para que o Brasil tenha autonomia e competitividade nesse setor estratégico”, explica.

 

A contribuição do IPEN para o projeto

 

O IPEN atuará no desenvolvimento de materiais para o microrreator, incluindo o moderador do reator (óxido de berílio e grafita, materiais utilizados para reduzir a velocidade dos nêutronse o material das barras de controle (carbeto de boro). O instituto trabalhará para viabilizar a produção nacional desses insumos, garantindo um fornecimento estável e competitivo. O IPEN também poderá atuar no desenvolvimento do combustível nuclear, especialmente para pastilhas de dióxido de urânico (UO2de maior diâmetro, ampliando a capacidade do Brasil na fabricação desses materiais estratégicos.

De acordo com o Dr. Jesualdo Luiz Rossi, pesquisador do Centro de Ciência e Tecnologia dos Materiais do IPEN, o projeto de microrreator se concentra no estudo de diferentes moderadores, entre eles o óxido de berílio, áreas que o instituto já teve infraestrutura para trabalhar no passado. "O envolvimento do IPEN com o berílio remonta às décadas de 1960 e 1970, quando existiam laboratórios específicos para a manipulação desse material em pó, cuja toxicidade é alta. No entanto, esse conhecimento técnico foi perdido ao longo do tempo", explica. Diante desse cenário, o instituto identificou uma oportunidade de revisitar esse know-how. Para isso, será necessário conceber e instalar um novo laboratório com infraestrutura adequada para a manipulação segura de pós tóxicos e a obtenção de materiais em sua forma maciça. "O desafio é iniciar um novo projeto, aproveitando a experiência adquirida no passado e avançando para o futuro", conclui.

Para o Dr. Adolfo Braid, coordenador do projeto e diretor da Terminus, o IPEN poderá ampliar sua participação na construção do microrreator conforme novas demandas surgirem. "O IPEN, com sua tradição na área nuclear e colaboração histórica com a Marinha, desempenhará um papel essencial no projeto, especialmente na cadeia de suprimentos”, destaca.

 

Desenvolvimento e desafios do projeto

 

O projeto prevê a fabricação de componentes críticos do microrreator, incluindo o núcleo, refletor e barras de controle, além do sistema de transferência de calor passivo, composto por heat pipes, um dos principais desafios tecnológicos do projeto. Também estão previstos o desenvolvimento do sistema de segurança e controle do microrreator, a instrumentação e o monitoramento/controle remoto, garantindo a segurança e eficiência operacional do reator.

Os heat pipes, que removem o calor e estabilizam termicamente o reator, exigirão soluções inovadoras de engenharia. Algumas das Instituições de Ciência e Tecnologia (ICTsenvolvidas no projeto já trabalham na viabilização desse sistema, que será essencial para a confiabilidade da tecnologia.

Atualmente, o projeto se encontra no nível de maturidade tecnológica TRL 3, que corresponde à fase de modelagem matemática e estudos preliminares. O objetivo é avançar para TRL 6, nível em que a tecnologia é demonstrada em um ambiente relevante, mais próximo da aplicação prática. Para atingir esse objetivo, serão desenvolvidas quatro Unidades de Desenvolvimento de Tecnologia (UDTs). Essas unidades permitirão testes essenciais, incluindo a operação em potência baixa, medições críticas de reatividade e a validação do sistema de transferência de calor. Além disso, será implementado um sistema de controle e proteção do microrreator, consolidando a tecnologia em um nível mais avançado e próximo da aplicação prática.

Segundo o Dr. Braid, o desenvolvimento de microrreatores se baseia em conhecimento técnico acumulado ao longo de décadas em projetos nucleares brasileiros. "Quando eu vi o primeiro projeto de um microrreator, falei: ‘Isso aqui eu sei fazer’. Por quê? Porque aprendi na Marinha e no IPEN, trabalhando nessa área”, explica. O coordenador ainda destaca que, embora o conhecimento gerado no projeto seja uma vantagem competitiva para as empresas envolvidas, novas empresas interessadas no setor precisarão investir no desenvolvimento de suas próprias capacidades técnicas.

A gestão do projeto será um desafio, especialmente pela necessidade de coordenar diferentes universidades e institutos de pesquisa espalhados pelo país. Para garantir o acompanhamento eficiente das atividades, será adotado um software de gestão, permitindo a atualização de tarefas em tempo real e a otimização do planejamento.

 

Alternativa estratégica para a transição energética

 

Os MRNs garantem segurança energética, reduzem emissões de CO₂ e ampliam o acesso à eletricidade no Brasil. Esses reatores operam de forma descentralizada, sem necessidade de abastecimento frequente de combustível. São modulares, transportáveis e operáveis remotamente, o que facilita sua implementação em diferentes contextos.

Um MRN de 5 MW pode abastecer cidades de até 5 mil habitantes, atendendo 22% dos municípios brasileiros. Com múltiplas unidades, essa cobertura pode alcançar 68% das cidades do País. Em regiões com pobreza energética, os MRNs garantem infraestrutura básica e ajudam a mitigar impactos na saúde, educação e economia local.

A crescente digitalização e o avanço da inteligência artificial elevam o consumo de eletricidade dos data centers, que já utilizam entre 1% e 2% da energia global. Esse percentual pode dobrar até 2030, aumentando a demanda elétrica e as emissões de CO₂. Os MRNs oferecem uma solução confiável e contínua para alimentar essas infraestruturas, reduzindo sobrecargas na rede elétrica e diminuindo a dependência de fontes fósseis.

 

Emanuel Galdino

Bolsista BGE-DA/IPEN-CNEN

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