Se ainda havia dúvidas de que tecnologia nuclear é "arretada", o presidente da Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN), Francisco Rondinelli Júnior, tratou de dissipá-las com clareza e entusiasmo na manhã desta terça-feira (16), durante sua palestra na 77ª Reunião Anual da SBPC, no Recife. Sob o título "Aplicações Sociais da Tecnologia Nuclear", Rondinelli conduziu uma viagem por áreas estratégicas em que o uso pacífico da energia nuclear transforma vidas no Brasil.
- (Foto: Bianca Wendhausen/CNEN)
Com linguagem acessível e dados robustos, o presidente da CNEN destacou o papel da energia nuclear como componente regulador essencial da matriz elétrica brasileira, que hoje é 70% renovável e precisa de fontes complementares para garantir estabilidade e modicidade tarifária. Ao projetar a construção de mais 12 usinas até 2060, Rondinelli reforçou: “O Brasil tem reservas de urânio mais que suficientes para garantir sua soberania energética com tecnologia própria.”
Mas foi ao tratar das aplicações sociais da tecnologia nuclear que o auditório se rendeu. Radiodiagnóstico por imagem, radiofármacos para o tratamento do câncer, esterilização de materiais médicos, irradiação de alimentos, preservação de bens culturais e combate a pragas agrícolas foram apresentados com exemplos concretos, como a pele de tilápia irradiada para tratamento de queimaduras ou a fábrica de moscas estéreis para controle da mosca-do-mediterrâneo – técnica do inseto estéril.
Entre as surpresas da apresentação, Rondinelli arrancou sorrisos e curiosidade ao mostrar uma foto pessoal de sua professora de inglês usando um par de brincos com pedras irradiadas por tecnologia nuclear. “É o tipo de coisa que quase ninguém imagina: que esse brilho é fruto da radiação gama”, comentou, ao explicar o processo de beneficiamento de gemas como topázios, quartzos e ametistas — prática que valoriza economicamente as pedras brasileiras com total segurança.
Outro ponto alto foi o destaque para os projetos de inovação tecnológica que estão em execução na CNEN, como o microrreator modular nacional, os nanossensores para diagnóstico precoce de câncer e o uso de IA para personalização da terapia com radionuclídeos. Com base em um framework de inovação estruturado, Rondinelli mostrou que a CNEN não apenas regula, mas também pesquisa, desenvolve e entrega soluções de impacto social direto.
A palestra ainda incluiu os projetos estratégicos, como o Reator Multipropósito Brasileiro (RMB) e o Centro Tecnológico Nuclear e Ambiental (CENTENA). O RMB prevê a construção de um Parque Tecnológico Nuclear com três núcleos principais e instalações complementares, constituindo uma infraestrutura de alto impacto nas áreas de saúde, ciência, tecnologia e indústria.
Já o CENTENA tem como missão implantar, licenciar e operar o Repositório Nacional de Rejeitos Radioativos de Baixo e Médio Níveis, destinado ao armazenamento seguro de resíduos gerados por usinas nucleares e pelo uso de radioisótopos na medicina, indústria, pesquisa e meio ambiente — uma solução definitiva para o fechamento do ciclo das aplicações da energia nuclear no Brasil.
Tecnologia própria é soberania, e nossos nêutrons falam português", afirmou Rondinelli, ao dimensionar o avanço e o domínio tecnológico que o Brasil já alcançou no campo nuclear. Diante de tantas entregas apresentadas, foi questionado se a CNEN possui iniciativas voltadas à aproximação com a sociedade, especialmente com o público jovem. Ele destacou a retomada do programa CNEN vai às Escolas e mencionou a Cidade da Ciência, atividade interativa desenvolvida pelo Laboratório de Realidade Virtual do Instituto de Engenharia Nuclear (IEN/CNEN), no Rio de Janeiro, que convida estudantes a vivenciarem, de forma lúdica e imersiva, o universo da ciência e da tecnologia nuclear.
Antes de encerrar, o presidente prestou uma homenagem emocionada à Dra. Helen Khoury, referência internacional na área de proteção radiológica e uma das grandes responsáveis pela formação de gerações de profissionais da área nuclear no Brasil. A reverência à trajetória da pesquisadora, feita em solo pernambucano, reforçou o compromisso da CNEN com a valorização da ciência, da memória e do talento nacional. Khoury faleceu em 2 de fevereiro deste ano.
- (Foto: Bianca Wendhausen/CNEN)
Fechando com a frase que virou slogan da participação da CNEN na ExpoT&C – exposição de ciência, tecnologia e inovação paralela à Reunião Anual –, Rondinelli reafirmou: “A tecnologia nuclear é brasileira, é segura, é útil, é sustentável… e sim, é arretada, visse?”.
A 77ª Reunião Anual da SBPC está sendo realizada na Universidade Federal Rural de Pernambuco. A ExpoT&C vai até sábado, no pavilhão montado pelo Ministério da Ciência, tecnologia e Inovação (MCTI), envolvendo todas as suas vinculadas e outras instituições de ensino e pesquisa, bem como agências de fomento e de políticas científicas do País.
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- (Foto: Bianca Wendhausen/CNEN)